Ao anão em cada um de nós
Conta-se que existiu, outrora, um país muito pequeno. Tão pequeno que poucos conseguiam localizá-lo nos mapas…
Conta-se que existiu, outrora, um país muito pequeno. Tão pequeno que poucos conseguiam localizá-lo nos mapas…
Seu rei, depois de muito pensar sobre como mudar a situação de seu país, para que deixasse de ser um recanto insignificante da Terra, teve um dia uma inspiração, que logo procurou pôr em prática.
Ele decidiu construir uma torre de grande altura, sobre a qual um relógio de muitas faces permitiria a todos os seus súditos acompanhar a marcação do tempo e, talvez, dessa forma, eles se motivassem a usá-lo com melhor proveito.
Ele anunciou seu intento e buscou um construtor que aceitasse realizar a obra que imaginara, mas todos se recusavam, alegando as imensas dificuldades técnicas que teriam de enfrentar.
Apresentou-se então um anão, pronto a aceitar a empreitada, pois, segundo dizia, um gênio o ajudava a realizar qualquer tarefa. Impunha, porém, uma condição: haveria de morar na torre para assegurar permanentemente o perfeito funcionamento do relógio.
Aceita sua condição, pôs-se a trabalhar, recebendo logo a ajuda de muitas pessoas, entusiasmadas com a diligência de seu labor.
Lentamente, a torre começou a tomar forma, cada vez mais e mais alta, até o ponto julgado suficiente pelo anão, que se dedicou então à construção de um relógio multifacetado como ainda não se vira igual.
Ele concluiu a tarefa e, no dia seguinte, ao acordar, todos naquele país se sentiram irresistivelmente atraídos a observar com atenção o relógio. Admiravam o deslocar contínuo dos grandes ponteiros, a marcar o passar de segundos, minutos e horas.
A percepção da irreversibilidade daquele movimento os levou a compreender que o tempo passado era algo irrecuperável. Ante essa compreensão, decidiram utilizar da maneira mais completa esse bem precioso, que escoava sem possibilidades de ser guardado e estocado.
Primeiro, dedicaram o tempo a melhorar suas próprias aparências; depois, suas casas, seus jardins, suas ruas, e por fim, empenharam-se com tal afinco em todas as suas tarefas, que tudo que fabricavam passou a ter um toque de perfeição.
No mundo inteiro passou a ser comentado aquele país, tão reduzido em território, com tão poucos habitantes, e, no entanto, capaz de produzir tantas coisas maravilhosas.
Muitos para lá resolveram se mudar.
Entretanto, havia aqueles que invejavam o desenvolvimento do país e as honras dispensadas ao anão, e começaram a tecer intrigas, levando palavras maldosas aos ouvidos do rei. Diziam: “Não foi para beneficiar a todos que o anão aceitou a tarefa, mas, sim, para tomar o lugar do rei.”
A princípio, as calúnias não mereceram crédito do rei, mas, de tão repetidas, acabaram por lhe parecer verdadeiras e o levaram a ordenar o fuzilamento do anão.
Os soldados, entretanto, não tiveram coragem de cumprir a ordem real. Conduziram o anão à fronteira e lhe disseram: “Vá embora! Vá embora e nunca mais volte, pois se o fizer, seremos obrigados a matá-lo.”
Ele obedeceu, mas, no momento em que o anão foi embora, o relógio parou.
No dia seguinte, ao acordar, quando cada um se voltou para a torre e percebeu a imobilidade dos ponteiros, sentiu como se o próprio tempo tivesse parado de se escoar. E, se o tempo havia parado, nada mais parecia ter significado, nem sua aparência, nem a beleza de suas casas, as flores dos jardins ou a dedicação ao trabalho.
A indolência e o descaso tomaram conta de todos. Ervas daninhas começaram a se proliferar nos jardins, muros desmoronaram. Areia, poeira e toda sorte de sujeiras cobriram as ruas. E o que ainda se produzia no país passou a ser defeituoso, mal-acabado e feio.
Foram embora todos aqueles que tinham vindo de outras terras, não vendo mais motivos para querer ali viver.
E o rei se lamentava: “Por que dei ouvidos aos maledicentes? Por que ordenei a execução do anão?”
Mas, como nós sabemos, o anão não morrera. Mesmo envolvido pela tristeza de ter deixado o país onde construíra sua obra-prima, ele não perdeu sua capacidade criadora. Dirigiu-se a outro país e dedicou-se a criar algo novo, belo e significativo, trazendo desenvolvimento e progresso ao novo país escolhido para se tornar seu lar, até que foi obrigado a parar, expulso, mais uma vez, por aqueles que viam nele um estranho, cuja diligência e dedicação ao trabalho invejavam e temiam.
Partiu outra vez, e mais outra, e muitas outras mais, trazendo sempre progresso e bem-estar aonde quer que fosse, apenas para se ver, após algum tempo, novamente expulso, sendo destruídos os vestígios de sua passagem, enquanto era obrigado a buscar novo pouso.
Até que um dia…
Um dia, decidiu que, mesmo se fosse a última coisa que viesse a fazer em sua vida, voltaria ao país bem-amado, onde erguera a torre do relógio.
O caminho de volta foi longo e penoso. Parecia que todas as forças da natureza – chuva e sol, tempestades e calmarias, neve e furacões – haviam se unido para impedir seu caminho, mas, resolutamente, continuou sua marcha.
E eis que, finalmente, do topo de uma montanha, avistou as fronteiras de seu país e o brilho dos reflexos do sol no relógio da torre. Desceu correndo e, assim que seus pés tocaram o solo, tão longamente ansiado, um milagre aconteceu: o relógio novamente começou a andar…
Parábola extraída de "Na Espiral do Tempo", de David Gorodovits
Last updated
Was this helpful?